Não tinha me dado conta, em 30 anos de redações vividos sobretudo na Abril, do poder destruidor da imprensa.
Só consegui enxergar as coisas de fora. Verdade que o jornalismo de guerra é uma coisa relativamente nova.
A Veja foi pioneira, logo depois da eleição de Lula em 2002. O resto da mídia foi progressivamente aderindo à guerra.
Hoje, você não distingue, na essência, na alma, a Veja e o Jornal Nacional, para ficar num caso.
Isto posto, em minhas reflexões sobre meu ofício compreendi só agora o que se poderia chamar de “Maldição da Mídia”.
Ela destrói, mas não constrói. Um poder de destruição avassalador, mas impotência total na construção.
A maldição fica clara quando você examina o que foi feito de Dilma e o que está sendo feito com Temer.
As companhias jornalísticas acabaram com Dilma. Reduziram-na
a nada. Inventaram uma mulher que era analfabeta, incompetente,
grosseira e, sobretudo, corrupta.
Não concederam a ela sequer o desejo legítimo — e sustentado pela boa gramática — de ser chamada de presidenta.
Machado de Assis usou a palavra presidenta, mas os barões da mídia e seus sequazes acharam que sabiam mais que Machado.
O trabalho de extermínio de Dilma acabou dando nas
convocações para protestos de um público manipulado e idiotizado pela
mídia mesma.
Um clássico dos crimes editoriais foi a infame capa, às
vésperas da eleição de 2014, em que a Veja afirmava que Dilma e Lula
sabiam tudo sobre o Petrolão. A fonte era um alegado delator.
Você tem uma ideia da barbaridade daquela capa quando vê o teor das delações da Odebrecht.
Dilma acabaria virando terra arrasada. O jornalismo de
guerra triunfou na obra de devastação de Dilma — e da democracia, e de
54 milhões de votos.
Agora considere Temer. A mesma mídia que liquidou Dilma tentou fazer dele um estadista.
Seu português era impecável, ao contrário da mulher de dois
neurônios. Suas mesóclises, prova de cultivo e erudição. Foi tratado
também como um mestre da articulação política.
Um dos colunistas do Globo, Ricardo Noblat, chegou a elogiar a beleza de Temer.
O ápice da tentativa de construção se deu num Roda Viva
histórico em que os entrevistadores o trataram como um semideus. No
final do programa, um deles — o produtor — postou um vídeo no qual
agarrava Temer pelos braços para mostrar ao público que ele era de
“carne e osso”.
A realidade logo se incumbiria de desfazer a miragem na qual a mídia queria que os brasileiros acreditassem.
O Temer real era e é este que está aí: covarde até para
enfrentar a possibilidade de vaias, inepto para liderar o país num
momento de extrema turbulência, carisma zero — isso tudo e mais de 40
citações numa única delação.
A imprensa fracassou miseravelmente na criação do Super Temer, tanto quando tivera êxito na destruição de Dilma.
Nem ponte ele é, mas uma pinguela, para usar a expressão de
um dos cardeais do golpe, FHC. (Pinguela é ponte precária, de limitada
confiabilidade.)
Esta a “Maldição da Mídia”: pode muito, pode tudo para
destruir. Mas nada, rigorosamente nada, para criar. Traz sempre a
sombra, o caos, jamais a luz, jamais o sol.
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