No momento em que a grande mídia abandona (como abandonou a narrativa do golpe em 1964) a hipótese de que a morte de Teori Zavascki pode não ter sido um acidente, confira 10 episódios para duvidar da tragédia perfeita
Do Outras Palavras
Teoria da conspiração ou desconfiança justificada? Após a queda do avião
 que, dentre outras vítimas fatais, resultou na morte do ministro do 
Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, o empresário Carlos 
Alberto Fernandes Filgueiras e mais três pessoas, imediatamente se 
instaurou um debate narrativo sobre o que aconteceu.
Teori era relator do processo da Lava Jato na Suprema Corte e estava às 
vésperas de retirar o sigilo de cerca de 900 depoimentos e homologar as 
77 delações da Odebrecht. O mais relevante acordo de colaboração da 
história da Justiça do país, envolvendo nomes de figurões dos mais 
variados partidos.
Há quem prefira ver nisso uma trágica coincidência, mas será que aqueles
 que desconfiam de tal versão não têm motivos para tanto?
Nos últimos 50 anos, o Brasil, o país da cordialidade, fabricou um 
histórico de acidentes estranhos que impactaram diretamente nos rumos da
 política nacional: no ar, marechal Humberto Castelo Branco, três meses 
depois de deixar a presidência para seu desafeto Costa Silva — vinculado
 à ala mais dura do regime –, morreu vítima de um estranho acidente 
aéreo no dia 18 de julho de 1967.
Em terra, Juscelino Kubitschek, suspeito de ter sido assassinado, em 22 de agosto de 1976, segundo o último relatório da Comissão da Verdade.
Sem esquecer do ex-deputado e presidenciável 
Ulysses Guimarães, o então ministro da reforma agrária Marcos Freire em 
1987, o ex-presidente da Vale e ex-membro dos conselhos da Petrobrás e 
da Caixa Econômica Federal, Roger Agnelli, e o ex-governador de 
Pernambuco e presidenciável nas últimas eleições presidenciais, Eduardo 
Campos — lembrando que Paulo César Morato, empresário e dono do avião, 
foi encontrado morto envenenado num motel em 22 de junho de 2016. A morte de Teori, portanto, é mais um capítulo desse estranho histórico.
O MPF e a PF abriram inquérito para apurar a queda.
 A pergunta norteadora da investigação é: em quais circunstâncias o 
bimotor C90GT King Air, fabricado pela norte-americana Hawker 
Beechcraft, com inspeção em dia segundo a Anac, conduzido por Osmar 
Rodrigues, o piloto “mais experiente” da rota São Paulo-Paraty, caiu no mar, levando consigo o relator da Lava Jato e ministro indicado ao STF pela ex-presidenta Dilma Rousseff?
Logo agora que as delações atingiriam o núcleo duro do atual governo pós-impeachment, citando expressamente propina de R$ 2 milhões em dinheiro vivo para Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, R$ 23 milhões na Suíça para José Serra, ministro das Relações Exteriores, e R$ 10 milhões para o próprio Michel Temer?
Enquanto não surgem evidências concretas, a mídia 
hegemônica descarta a hipótese de assassinato político, assim como 
descartou a narrativa do golpe em 1964 e 2016. Trata o assunto como se a
 possibilidade não pudesse ser discutida, enquanto as peças do 
quebra-cabeça afundam no mar.
Não entrando na paranoia, mas perseguindo o hábito 
jornalístico de reunir fatos e ser cético diante das versões oficiais — 
sobretudo em situações de interesse nacional — garimpamos elementos 
curiosos, esparsos na rede, para montar esse quebra-cabeça.
1) “Parecia a esquadrilha da fumaça”
De acordo com o relato do
 barqueiro Célio de Araújo, testemunha ocular do acidente que acionou os
 bombeiros para o resgate: “A chuva ainda tava fraca. Vento não tinha. 
Acho que foi problema no motor esquerdo. Deve ter desligado o motor 
esquerdo e ele ficou só com o motor direto, quando foi bater a asa no 
chão”. Então o avião pode não ter caído por causa de desorientação de 
pilotos e do mau tempo — mesma alegação usada no laudo oficial de Eduardo Campos, segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa)?
2) Avião seguido há 16 dias?
O jornalista Chico Malfitani divulgou uma
 foto, a partir dos dados que lhes foram repassados pelo engenheiro da 
USP Leonardo Manzione, que mostra a base de dados da ficha técnica do 
avião da Beechcraft acessado 1.885 vezes 16 dias atrás (3 de janeiro de 
2017) – 3,7 vezes mais do que todas as visualizações anteriores. O site é
 de Fredrik Lindahl, CEO da Flightradar24 AB | MBA, e está hospedado nos
 EUA, onde podem-se identificar os IPs de acesso, apurou o
 jornalista Marcelo Auler. Quem fez essas consultas e por que tanta 
curiosidade na ficha técnica do mesmo bimotor com o registro PR-SOM 
LJ-1809?
3) Hangar movimentado?
Segundo reportagem da Folha de S. Paulo:
 “As horas após a queda do avião foram movimentadas no hangar de Campo 
de Marte, onde o bimotor King Air era guardado e onde os passageiros do 
voo embarcaram. Por volta das 19h, um funcionário chegou ao hangar da 
empresa TAG. Ele disse ser responsável pelas câmeras de segurança do 
local e começou a recolher computadores do hangar. Minutos depois, 
membros da Aeronáutica e da Polícia Federal também estiveram no local em
 busca das imagens do circuito interno.”
4) Um estranho resgate
O blogueiro e jornalista André Barcinski, que estava a passeio em Paraty, transcreveu alguns diálogos que teve com testemunhas da tragédia:
 “Ela tava viva bem depois do acidente […] Dava para ver a mulher 
pedindo socorro dentro do avião”, disse o pescador Wallace, 23 anos. O 
jornalista suspeitava da versão, até ela ser corroborada por um oficial:
 “Ficou pelo menos 40 minutos com vida no avião”.
Os relatos foram ficando cada vez mais macabros. 
Segundo o barqueiro Ademilson de Alcantara Mariano, um oficial viu uma 
mão batendo no vidro e gritou: “Rápido! Tem alguém vivo aqui!”. Mariano 
continua: “Dava para ver a mão de alguém batendo no vidro. Depois 
ouvimos os gritos, era uma voz de mulher: ‘Pelo amor de Deus, me tira 
daqui, não aguento mais!”. Deveria ser Hilda Penas Helatczuk, ou sua 
filha Maíra Panas. Porém, o oficial presente não contava com 
instrumentos adequados para abrir a aeronave e, assim, a sobrevivente 
silenciou após mais de 40 minutos lutando depois da queda.
Barcinski deixa claro que os destroços foram içados
 duas vezes. A primeira, durante a tentativa de salvamento da 
passageira, e a segunda, por dois barcos pesqueiros, interrompido por 
ordens da Aeronáutica, alegando preservar o local para a perícia.
Por fim, a Força Aérea Brasileira (FAB) desistiu de
 retirar o avião do fundo do mar alegando dificuldades, e passou a 
responsabilidade para o proprietário da aeronave, o grupo hoteleiro 
Emiliano, que contratará uma empresa especializada. Enquanto isso o 
local do acidente passa parte significativa do tempo sem nenhuma 
vigilância das autoridades, conforme presenciaram os jornalistas do Estadão.
5) Com ou sem caixa-preta?
Em reportagem publicada na Veja às
 15h32, o King Air C90GT não tinha caixa-preta, pois o modelo da 
aeronave não tinha obrigação de possuir uma, segundo informações da FAB.
 Às 16h28, a versão foi alterada e
 o avião passou a ter um “gravador de voz” equivalente a uma caixa 
preta. “A equipe de investigadores da Aeronáutica localizou nesta 
sexta-feira o gravador de voz (cockpit voice recorder – CVR) da aeronave
 PR-SOM, acidentada em Paraty”, confirmou a FAB, em nota.
6) Ligações com o BTG Pactual?
O jornalista Alceu Castilho, num furo de reportagem,
 revelou que uma das empresas de Filgueiras, Forte Mar Empreendimentos e
 Participação, tinha 90% do seu capital social num fundo de investimento
 da BTG Pactual, principal banco privado de investimentos do Brasil. O 
ex-presidente do BTG, André Esteves, foi preso na Lava Jato em 25 de 
novembro de 2015 sob suspeita de tentar obstruir a operação.
Teori revogou a prisão preventiva de Esteves em dezembro. E em abril de 2016, deu liberdade ao banqueiro. Teori também retirou um
 inquérito que apurava a ligação da BTG ao ex-deputado Eduardo Cunha. Na
 delação do ex-senador Delcídio do Amaral, homologada em 15 de Março de 
2016 por Teori, o senador dizia que Eduardo Cunha “funcionava como 
garoto de recados de André Esteves, principalmente quando o assunto se 
relacionava a interesses do Banco BTG”.
O BTG Pactual tem relação com a área da Petrobrás menos atingida pela Lava Jato e
 a mais lucrativa, a área de Exploração e Produção, que opera 
plataformas e navios-sonda alugados. Este último, um mercado altamente 
rentável e monopolizado no mundo por empresas como a texana Halliburton,
 que já foi dirigida pelo ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney. O 
banco de Esteves planejava furar esse cartel de aluguel de navios-sonda 
através da criação da empresa Sete Brasil com fundos de pensão das 
estatais (Funcef, Previ, Petros) e um pouco de capital do Bradesco e 
Santander. A  nova empresa contrataria estaleiros de empreiteiras 
nacionais para a construção de 29 navios-sonda, a maior encomenda do 
mundo.
Curioso notar que outra vítima recente de acidente 
aéreo, o ex-presidente da Vale, Roger Agnelli, também tinha negócios com
 a BTG Pactual: em 2012 ele criou uma
 mineradora com o banco no valor de 500 milhões de reais para atuar no 
Brasil, Chile e África, concorrendo com mineradoras internacionais. 
Isso, pouco mais de um ano depois de deixar a presidência da Vale por pressão do governo federal, que, entre outras divergências, não apoiava sua iniciativa de construir navios para a Vale em estaleiros estrangeiros.
7) Ameaças na Lava Jato
Ano passado, o filho de Teori, Francisco Prehn Zavascki, desabafou em seu Facebook as ameaças que a família vinha sofrendo. Na sexta, disse à Rádio Estadão
 que “não podemos descartar qualquer possibilidade. No meu íntimo, eu 
torço para que tenha sido um acidente, seria muito ruim para o país ter 
um ministro do Supremo assassinado”. À Folha, ele reconfirmou que vinha recebendo ameaças e que a família estava realmente preocupada.
As ameaças lembram a situação da advogada Beatriz 
Catta Preta, uma das maiores especialistas em delação premiada do país, 
que teve que abandonar seus clientes na operação Lava Jato uma semana 
após deixar de ser advogada de Júlio Camargo, empresário que fez longo 
depoimento em que denunciava as propinas de R$ 5 milhões de Eduardo 
Cunha.
Ela dizia ser “ameaçada insistentemente”. Contou ao Globo que
 um dia chegou em casa e o doleiro Lúcio Funaro, que vinha pedindo para 
que Eduardo Cunha não aparecesse nas delações, brincava com seus filhos.
 Funaro também é réu na Lava Jato e acusado pelo MPF de
 ameaçar de morte o ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto por sua 
delação premiada, acusação destacada por Teori no despacho no qual 
decretou a prisão preventiva do doleiro.
8) Novas testemunhas no caso de Eduardo Campos?
Na mesma noite fatídica de quinta-feira, o irmão do ex-governador Eduardo Campos (PSB), o advogado Antônio Campos, divulgou que
 tinha uma nova testemunha que poderia mudar por completo os rumos das 
investigações sobre o acidente aéreo que resultou na morte do seu irmão.
 E desabafou: “Num país em que líderes e autoridades morrem de forma 
misteriosa em acidentes aéreos e ainda impactado pela morte do ministro 
Teori, resolvi revelar esse fato novo e reafirmar que esse caso de 
Eduardo Campos precisa ser aprofundado e é mais um caso que não pode 
ficar impune. Não descansarei enquanto não forem esclarecidos os fatos, 
independentemente de eventuais riscos que posso correr”.
O falecido governador Eduardo Campos, por sinal, 
chegou a ser citado na operação Lava Jato a respeito da construção da 
refinaria de Abreu e Lima, sendo ligado justamente pelos operadores que intermediaram a negociação do jato em que o então candidato à presidência morreu.
9) O áudio de Jucá
No já célebre áudio no qual o senador, ex-ministro 
do governo Temer e presidente do PMDB, Romero Jucá, hoje um dos 
principais articuladores do governo Temer, conversa sobre as reais 
razões por trás das movimentações para derrubar a então presidenta Dilma
 com o ex-senador Sérgio Machado e a opinião de ambos sobre o falecido ministro Teori é taxativa:
“Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o 
Teori [Zavascki, relator da Lava Jato], mas parece que não tem ninguém”,
 [Machado].
“Não tem. É um cara fechado, foi ela [Dilma] que 
botou, um cara… Burocrata da… Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de 
Justiça]”, [Jucá].
A opinião de Jucá e de Machado, que ironicamente teve sua delação homologada por Teori, não é nada particular, pessoal ou a priori
 suspeita, pelo contrário: ela ilustra o que muitos políticos pensavam à
 época do ministro, isto é, uma ameaça justamente por não ter vínculos 
políticos que, nesse caso, servissem para flexibilizar suas decisões a 
respeito da Lava Jato.
E conclui o diálogo apontando a saída: “[A solução]
 tem que ser política. Como é política? Tem que resolver essa porra”. No
 áudio, Jucá e Machado ignoram ou não dão a devida importância para 
eventuais vínculos empresariais de Teori.
10) Cui bono?
A pergunta básica de toda investigação criminal foi cunhada por Marco Túlio Cícero em Roma:  “Cui Bono?” — “a quem beneficia?” em tradução literal. Mesmo nome dado à última fase da
 Lava Jato para investigar a suspeita de fraude na liberação de recursos
 da Caixa Econômica Federal. Os alvos foram Geddel Vieira Lima, 
ex-ministro do governo Temer, e o pioneiro do impeachment Eduardo Cunha —
 ela deriva da operação Catilinárias, que tinha como alvo a cúpula do PMDB.
Teori pode não ter sido assassinado como foi o juiz Giovanni Falcone, principal juiz na Operação Mãos Limpas — operação em que se baseia a
 Lava Jato –, mas se esses estranhos acontecimentos não forem 
completamente expostos à luz do sol, explicando cada detalhe, a suspeita
 de que houve um assassinato político tende a crescer.
Enquanto a mídia hegemônica se preocupa em 
especular sobre a vida profissional da namorada de Teori, ou sobre a 
vida da massoterapeuta de Filgueiras, o governo do presidente Michel 
Temer, citado 43 vezes pelo ex-vice-presidente de Relações 
Institucionais da Odebrecht na delação prestes a ser homologada, ganhará
 um tempo precioso enquanto não se decide quem será o novo relator e/ou o
 novo ministro, como declarou expressamente o ministro chefe da Casa Civil de Temer, Eliseu Padilha.
Depois do decálogo
Resta aos investigadores incautos, jornalistas independentes, whistleblowers e
 o trabalho coletivo da internet desvendar se pretendem ou não dar um 
“golpe dentro do golpe”, como aconteceu em nossa última ditadura, que 
consolidou o regime militar e acabou com as eleições diretas. Uma vez 
que os veículos hegemônicos pouco farão, ao que tudo indica, para apurar
 este caso — em dezembro, o governo bateu recorde de gastos com publicidade, aumentando-a em 106%, irrigando todo setor com dinheiro público em plena recessão.
Entre muitas suspeitas, uma coisa é certa: diversos setores conservadores não gostavam de Teori por ter repreendido Sérgio Moro pela divulgação inconstitucional dos grampos telefônicos irregulares entre Dilma e Lula. Teori também criticou o
 “espetáculo” midiático do PowerPoint do procurador Deltan Dallagnol em 
que acusava Lula de representar o chefe máximo da quadrilha. Ano 
passado, um grupo chegou a escrachar a fachada do prédio onde o ministro morava no Rio Grande do Sul com uma faixa de “pelego do PT”, “Teori traidor” e chamá-lo de “bolivariano”.
Se é certo afirmar que há precipitação em concluir,
 já agora, que se tratou de um atentado, é igualmente apressado 
descartar essa hipótese diante dos fatos nebulosos que o envolvem — o 
prestigioso jornal londrino The Guardian, por sinal, não descarta essa
 possibilidade. Não é “teoria” da conspiração, delírio ou 
mera especulação infundada, uma vez que há fatos concretos na conjectura
 atual e histórica.
Em um país como o Brasil, no qual até mesmo a 
verdade sobre fatos históricos como a Guerra do Paraguai e a Ditadura 
Militar permanecem submersos, defender uma investigação rigorosa é a 
única atitude cética possível: não apenas porque é o que manda a lei, 
mas porque é um primeiro passo para que a sociedade civil intervenha no 
andamento do processo de substituição de Teori, não se resignando ao 
papel de mera espectadora, deixando Temer e 11 senadores investigados na
 Lava Jato escolherem quem será o seu juiz. 
 

 
Intrigantes estes fatos.
ResponderExcluirE a possibilidade do motivo estar ligado a liberação da maconha? É carta fora do baralho? https://www.conjur.com.br/2015-set-10/teori-zavascki-vista-julgamento-porte-drogas-adiado
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